Guardiões do Império: O Selo do Sétimo
Sinopse
Yuka Kamimura levava uma vida monótona em uma cidadezinha do Japão, cuidando de sua avó enferma enquanto lidava com problemas não tão casuais da adolescência. Certo dia, porém, quando encurralada perigosamente por estranhos, foi salva por uma equipe de Guardiões Elementares de Magia Transcendental (G.E.M.T.) ligados ao enigmático país Império de Minerva. Levada à força para terras misteriosas, Yuka descobre que seu destino não está relacionado somente a cuidados domésticos e sonhos sem futuro: ela assume um papel importante para as relações políticas daquela Nação, um lugar repleto de magia e uma nova forma de organização social, a qual está permeada de segredos ocultos e perigosas intenções escusas por parte de agentes internos e externos. Com seus fiéis seguidores, deverá confrontar os monstros da responsabilidade, da decepção e da infidelidade diante de batalhas que envolverão não somente sua pouca experiência em lutas como também sua capacidade em discernir, em meio a uma teia inesgotável de interesses, a melhor decisão a ser tomada durante todos os seus grandes e inesperados desafios, para além do amor, da dor e da morte.
CAPÍTULO I
O cão encontrado e a androide desaparecida
A jovem ergueu-se com vigor de seu futton. Espreguiçando-se com energia, abriu as cortinas da janela do quarto, aspirando o doce perfume das flores da primavera. Era uma estação adorável, de fato. Uma das mais belas que a natureza pôde oferecer à vida terráquea. E, para ela, era o tempo propício para colher bons resultados após muita dedicação, esforço e determinação. Uma ideia metafórica, é certo, mas mesmo assim válida. Por esse motivo, Yuka Kamimura apressou-se em preparar sua primeira refeição do dia. Adiantou-se em alimentar sua avó, inválida por uma doença crônica que a mantinha acamada.
– Dormiu bem, batchan? – A avó franziu o cenho, em um aparente árduo sinal afirmativo para a simples interrogação da neta. – Fico muito feliz com isso, e ficaria mais ainda se tomasse todo o mingau.
Sua voz possuía um tom sugestivo que a avó captou rapidamente, porém a Sra. Kamimura tremeu os lábios, como se dissesse que não aguentava comer mais nada. Yuka suspirou em decepção; embora soubesse que era improvável que a avó terminasse a refeição, ainda havia em seu coração uma pontada de esperança. Em silêncio, levantou-se para terminar de fazer o próprio café.
Após sentir-se satisfeita e preparada para enfrentar o dia de aula e trabalho, Yuka despediu-se da avó com um leve beijo na testa enrugada.
– Já vou, batchan!
Arrumando seus poucos materiais, a garota saiu da casa, percorrendo as ruas largas com sua bicicleta de segunda mão recém-adquirida em uma feirinha de usados. Sentindo o vento suave tocar-lhe a pele macia, Yuka fechou os olhos por breves segundos, apenas o suficiente para degustar aquela sensação gloriosa de estar voando em meio às flores de cerejeira.
Assim que adentrou os portões brancos de ferro da escola, estacionou a bicicleta no local apropriado e foi até a sala de aula, esquivando-se dos inúmeros alunos que se encontravam acabrunhados no corredor principal. Mas, para sua tristeza, não passou despercebida de alguns colegas, cujos nomes ela nem sabia.
– Olhe lá aquela esquisita!
– Ouvi dizer que mora com uma velha que só dá trabalho – uma voz feminina disse, pesarosa.
– Deve morar com um velhote, isso sim. Deve ser daí que ganha dinheiro para pagar a escola.
– Mentira! Aposto que mora de favor, porque ela tem uma bolsa aqui!
– Mas é parcial…
– E daí? Aonde acha que ela vai logo depois que as aulas acabam? Trabalhar, é lógico…
Os tons das vozes eram desdenhosos, porém Yuka não se deixou abalar pelos comentários. Eles não sabiam o que vivia de fato; ao menos, não totalmente, o que pra ela já era mais do que o suficiente, pois não gostava de ser exposta, principalmente quando tinha plena ciência de que seria alvo de chacotas… mais até do que o normal.
Adentrou a sala silenciosamente, sentando-se na última cadeira da fileira próxima à janela. Enfiou-se no livro de História esperando conseguir pescar algum trecho relevante para a prova avaliativa que enfrentaria naquele dia. Porém, quando estava começando a prestar atenção total em sua leitura, uma voz masculina soou em seus ouvidos:
– É tão estúpida assim para achar que vai conseguir decorar a matéria no dia da prova? – Ela ergueu a cabeça e vislumbrou a figura de Yuchiro Yamamoto, um garoto de sua idade que sempre estava a atazanar a sua vida.
Engolindo em seco por ter sido pega desprevenida, ela assentiu rigidamente para a pergunta, quando na verdade queria balançar a cabeça negativamente. Ele riu e cutucou um de seus amigos.
– Uma idiota dizendo ser idiota. O fim do mundo está próximo… Como vai aquela sua velha? Ou velho, como algumas pessoas estão dizendo por aí. Você é paga para cuidar dele ou… você sabe… – O tom de voz das duas últimas palavras demonstravam a malícia de seus pensamentos hediondos.
Yuka sentiu os lábios tremerem de vergonha. Não era raiva que sentia, pois seu mantra matinal era sempre manter bons sentimentos ao seu redor, mesmo que não fosse possível em algumas ocasiões. Entretanto, com seu treinamento meditativo diário, podia afastar o ódio, o rancor, a mágoa e a raiva… mas a vergonha, o sentimento de inferioridade, a insegurança e o medo a atormentavam dia e noite. E, naquela manhã, não foi diferente. Simplesmente não conseguiu abrir a boca, então preferiu erguer-se e correr para o banheiro, ignorando a enxurrada de olhares desdenhosos e sádicos que muitos depositaram nela.
Trancou-se no primeiro box vazio que encontrou e se sentou em cima da tampa do vaso sanitário. Tremendo, encobriu o rosto com as mãos e chorou silenciosamente. Demorou alguns minutos para que conseguisse se recompor e, então, encaminhou-se para a sala a tempo de ver o professor, que entrava no local segurando um bloco de provas.
– Está tudo bem, Kamimura-san? – indagou o professor, Yukito Kishimoto, olhando-a calmamente detrás de seus óculos quadrados.
– Sim, senhor – Yuka fez uma saudação respeitosa e adentrou a sala.
O desespero comum antes da prova assolou sua mente. Yuka necessitava daquela bolsa de estudos e só conseguiria mantê-la se suas notas continuassem altas. Respirando fundo, pois tinha plena noção do quanto se dedicara, tratou de começar a responder às perguntas da prova com tranquilidade. Como sempre, foi uma das últimas a finalizar o teste. O professor Kishimoto analisou rapidamente sua prova, correndo os ligeiros e sábios olhos pelo papel e lançou um sorriso tranquilizador à inquieta jovem à sua frente. Yuka sorriu, aliviada, e pôde voltar para casa com o coração despreocupado.
Ela, no entanto, ao ver sua bicicleta completamente destruída no local onde a havia deixado pela parte da manhã. Sentiu um enorme peso nas costas, lembrando-se do quanto se esforçou para comprar aquele objeto que tanto lhe serviu. Respirou profundamente, já imaginando quem era o culpado pelo estrago. Ainda assim, não queria se envolver em nenhuma discussão na escola. Temia que as artimanhas dos colegas estivessem ligadas a um objetivo principal que seria sua expulsão, afinal tinha plena ciência de sua incapacidade política perante os filhos de famosos empresários daquela instituição.
Para seu horror, havia começado a chover e ela teve de ir andando embaixo daquela torrencial cachoeira gelada, encolhendo-se em sua roupa, pois havia se esquecido do guarda-chuva. Quando dobrou a rua de casa, ouviu um som peculiar. Ficou parada, olhando para os lados atordoada. Novamente, o som surgiu como um ganido entristecido, que a pegou desprevenida. Seus olhos percorreram a extensão onde ficavam os vasos com pequenas árvores que enfeitavam a calçada e deparou-se com uma figura distinta entre os recipientes arbóreos cor de barro. Era uma bola de pelos espessa, que mais parecia uma almofada.
Aproximando-se com lentidão, com medo de espantá-lo, Yuka agachou-se ao lado daquele pequeno filhote de akita. Os olhos marrons chocolate dele fitaram a moça com pesar em uma prece silenciosa. A garota olhou-o piedosamente, pegando-o com cautela e percebendo que sua pata esquerda estava quebrada. Levou-o consigo, tentando protegê-lo da chuva, que, naquele fim de tarde, parecia querer formar um oceano.
O Centro de Treinamento dos G.E.M.T. era localizado ao norte do Império de Minerva, próximo ao Palácio Imperial. Com sua estrutura de aço fortificada em formato semelhante ao grande Coliseu de Roma, era o local mais bem protegido daquele pequeno continente, a exceção, é claro, do Santuário das Sete Magias, lugar de grande concentração do misterioso poder transcendental.
A cor acinzentada refletia a seriedade com que os poderosos e bem treinados guardiões se dedicavam ao seu ofício. Dentro da gigantesca estrutura, as variadas seções de distintas formas de treinamento bélico eram espalhadas de maneira conveniente. No primeiro andar, aqueles que treinavam para a infantaria se preparavam arduamente com as armas que seus superiores lhe ofereciam: espadas de diferentes modelos, armas de fogo manuais, adagas, facas, típicas armas orientais e diversas outras. Suas fisionomias, obviamente, eram quase homogêneas devido ao esforço físico que faziam, apresentando sempre uma expressão selvagem nos olhares sanguinários.
O segundo andar era dedicado aos treinamentos mágicos elementares. Cada guardião possuía habilitação para manusear, limitadamente, um elemento da natureza. O máximo que alguns conseguiam atingir era uma enxurrada de água na face de outrem, um vento cortante emaranhando os cabelos de alguém, uma minúscula cratera na terra ou uma faísca de fogo inofensiva. Não era uma questão de querer praticar magia de primeiro grau ou simplesmente ter a habilidade herdada geneticamente. Estudiosos daquele país-continente ainda não conseguiram compreender a razão de alguns possuírem talento nato para praticar a magia de primeiro grau de forma tão magistral; casos como estes eram de temor extremo, visto que o controle dos quatro elementos da natureza empírica poderia provocar catástrofes naturais, como tsunamis, furacões, terremotos ou, Sanctus Vigilantes os proteja, até mesmo uma chuva de meteoros. Além disso, naquele andar funcionava a enfermaria, local de grande desagrado para a maioria dos acadêmicos, pois apesar de harmoniosa, possuía o típico cheiro de remédios que enjoava os estômagos.
O terceiro andar era dedicado ao polo tecnológico do Centro de Treinamento. Naquele imenso laboratório, pesquisadores de todo o Império de Minerva dedicavam seu tempo em buscar novas descobertas para aperfeiçoar as habilidades bélicas dos G.E.M.T. Era também o local de manipulação e monitoramento dos simuladores de guerra, que ficavam no andar acima.
O quarto andar era o lugar mais desejado pelos iniciantes, pois era lá que enfrentariam o terror de uma verdadeira batalha, onde sentiriam ou não a glória depois de todo o empenho no treinamento básico, e, também, onde seriam sentenciados a viver lutando pelo Império ou despachados de volta para sua região de origem. Estrategicamente, era nesse mesmo andar que o gabinete do Diretor era localizado.
O andar acima era destinado ao treinamento dos arqueiros, que possuíam uma visão mais privilegiada para praticar o tiro ao alvo. Além disso, caso houvesse invasão do Centro, eles poderiam acionar mais rapidamente todos os demais guardiões. O gabinete era vasto, pois costumava ser a sala de reuniões para discussões políticas formais entre os Chefes de Clãs ou para a resolução de conflitos comerciais, que era quase sempre o tema principal das sessões. Todavia, quando não havia reunião alguma a tão burocrática mesa-redonda era dispensada, deixando um grande espaço no meio do gabinete, onde agora encontravam-se cinco pessoas dispostas aleatoriamente.
– Diretor, o senhor nos chamou. Gostaria de saber por que o quanto antes, com todo o respeito. Não posso me afastar da enfermaria. Estou no meio de uma avaliação clínica dos iniciantes – uma mulher quebrou o silêncio incômodo do recinto. Sua voz era suave, porém firme, e sua postura autoritária indicava o quão incomodada ficava quando tinha de se afastar de seus deveres funcionais.
– Entendo perfeitamente sua posição, Sora Perrault, e concordo plenamente. – Rodrik Ventura, Diretor do Centro de Treinamento, Chefe do Clã Ventura e atual Regente do Império de Minerva, voltou-se ao pequeno público. A médica de estatura alta e porte elegantemente felino, com seus pequenos e irregulares cabelos louros castanhos pontiagudos, sorriu, agradecendo o diretor. – Porém, a questão que devemos tratar neste momento é de uma seriedade ímpar, portanto, gostaria de esperar a presença de Kenji Li.
– Ele não virá! – outra voz feminina, que vinha do fundo do gabinete, perto do buffet de madeira de lei entalhada com belas flores artesanais, irrompeu. A jovem que havia falado estava vestida com seu habitual macacão justo de couro preto, que acentuava suas belas formas femininas. Ela estava encostada no objeto que lhe fazia companhia, afastada de todos, de braços cruzados e o pé direito sobreposto ao esquerdo, em uma posição casual, demonstrando total indiferença em relação aos demais presentes.
– Como diz isso com tanta certeza, Bianca? – indagou Rodrik, curioso.
– É uma lógica de hábito. Kenji raramente foge à sua rotina tão sagrada e falta às reuniões que são convocadas sem data marcada.
– Odeio concordar com a Capuchu, mas ela tem razão – disse uma jovem e bela ruiva, que ocupava o sofá do centro da sala.
Bianca trincou os dentes, irritada, notoriamente detestando a maneira como a outra se dirigiu a ela. A última moça que estava no gabinete, uma loira elegantemente trajada com roupas de pele de raposa e tão bela quanto as outras, balançava a perna impacientemente, como se esperasse pelo atendimento demorado de um salão de beleza.
– Peço desculpas por interromper o que seria uma maravilhosa disputa dialógica entre vocês duas, mas preciso começar a tratar do assunto – suspirou Rodrik, sentando-se à mesa. – Eu estive ontem analisando o laboratório do Centro de Treinamento e fui informado por um dos pesquisadores, o senhor Hideki Nakamura, de que a androide Pandora K-17 desapareceu. Ela é responsável por verificar o paradeiro da herdeira e, também, protegê-la.
Imediatamente, as quatro mulheres ergueram as cabeças, surpresas. Rodrik assentiu, como se ratificasse mentalmente o que acabara de dizer.
– Ainda não sabemos como ocorreu nem quem foi o causador do desaparecimento de Pandora K-17. Até onde entendemos, os androides criados pelo mestre Kazuo Kamimura somente param de emitir o sinal quando são destruídos ou desativados. Não haveria motivo, obviamente, para que K-17 desativasse o próprio sinalizador a não ser em caso de emergência para salvaguardar a vida da herdeira, e isso só ocorreria se o Império fosse invadido ou uma rebelião se iniciasse. Não foi o que ocorreu.
– Há possibilidade de alguém ter desativado? – perguntou Isolda Kross, cuja impaciência de madame evaporou-se em um instante.
– É isso que Nakamura está investigando neste momento – respondeu Rodrik em um tom sério. – Entretanto, não podemos perder tempo. O desaparecimento de Pandora K-17 pode significar um perigo iminente para a herdeira.
– Precisamos tomar alguma providência! – Anastacia Volk ergueu-se de súbito, fazendo com que seus cachos vermelhos chicoteassem suas costas. – Eu fico incumbida da tarefa de ir até o Japão para protegê-la!
– Ora, nem pensar. – Isolda levantou-se, seus loiros cachos balançando espessamente como ondas. – Essa tarefa é minha!
– E o que você fará? Jogar as tranças de Rapunzel contra os inimigos? – esbravejou Anastacia, aborrecida.
– Com certeza farei mais do que você, sua russa mesquinha!
– Alemã estúpida!
– Ignorante!
– Idiota!
Os adjetivos pejorativos gradativamente foram decrescendo, chegando a um ponto em que Rodrik bateu na mesa fortemente, assustando e chamando a atenção das duas moças.
– Creio que nenhuma seja a mais indicada para esse ensejo – ele disse olhando para a garota ao fundo do gabinete. – Bianca está no comando do Sextu a Sexta Secção, o Sexto Clã e, segundo a linha de sucessão, é ela quem vai tomar a posse do Império caso ocorra algo com a futura imperatriz.
– Mais um motivo para suspeitar que ela cometerá um deslize quando for salvá-la, não? – alfinetou Isolda.
– Ao menos, será um “deslize” premeditado e inteligente, o que você com suas futilidades mundanas provavelmente jamais seria capaz de projetar – Bianca disse, sorrindo com desdém. – Se é o que Rodrik indica, eu aceitaria esse fardo!
– Fardo? – Anastacia intrometeu-se. – Deveria ser uma honra pra você!
– Creio que tenhamos concepções diferentes quanto ao termo “honra”, Volk. – Bianca olhou-a displicente.
– Acontece que… – A voz suave de Sora perpassou o ambiente. – Além de tomar a responsabilidade de ser Chefa do Sexto Clã, Bianca é também uma das melhores Guardiãs, talvez a melhor. Ela e Kenji, sem dúvida alguma, hão de ter grandiosos futuros.
Com esse argumento, tanto Anastacia quanto Isolda bufaram e se jogaram em seus assentos novamente, cruzando as pernas em um sinal de aborrecimento. Bianca ignorou a atitude infantil de suas companheiras e focou sua atenção no Regente.
– Às suas ordens! – disse e Rodrik assentiu.
– Tens apenas algumas horas para se preparar. A passagem para o Japão já está comprada, mas precisa organizar seus bens, inclusive a sua inseparável Capu-007.
– Posso levá-la? – Bianca não demonstrou felicidade, mas o ligeiro lampejo em seus olhos a denunciou. Rodrik sorriu.
– Na verdade, ela lhe aguarda na Embaixada do Império de Minerva no Japão, que estrategicamente, fica próxima à cidade onde Yuka Kamimura está localizada. Será fácil para você encontrá-la. Irei repassar todos os dados sobre ela: onde mora, onde estuda, onde trabalha etc. para que você não perca tempo.
– Agradeço – disse Bianca, dirigindo-se à porta para se preparar.
– Ah, Bianca – chamou Rodrik e ela virou-se. – Não se esqueça de suas armas.
Bianca sorriu de maneira levemente sádica, sacando de sua apertada pochete acima da bota uma pistola de calibre 32.
– Eu sempre ando com elas! – alegou e indicou ao Diretor a arma que estava em sua mão como uma prova do que havia dito. Recebeu um sorriso trêmulo como resposta e se afastou do gabinete com seus longos e sedosos cabelos negros balançando em suas costas no ritmo de seus passos, semelhantes a um veludo.
Estava terminando de limpar o último livro da última estante quando o dono da loja entrou e Yuka virou-se para ele com um sorriso:
– Terminei, senhor! – falou assim que depositou a obra em seu devido lugar.
A Book’s Store era uma antiquíssima livraria da cidade e ficava próxima à casa de Yuka, o que facilitava sua trajetória rotineira. O trabalho de meio expediente lhe rendia um bom dinheiro, que era utilizado para pagar os remédios da avó enquanto que a pequena herança que o avô deixara era responsável por suprir as contas de luz, água e suprimentos básicos, como comidas, roupas e produtos de limpeza.
Muito além de um chefe, entretanto, o dono da loja era um velho conhecido. Desde pequena, Yuka sempre gostou de ler e de vez em quando intrometia-se na livraria com o intuito de passar horas a fio lendo qualquer livro que pegasse primeiro, até o dia em que foi flagrada por Anthony Hawking. Ela lembrava-se bem daquele dia: era verão e o calor sufocava todos; ela ficou encolhida entre uma das estantes, sentada em profundo silêncio e concentração. Naquele dia, diferentemente de muitos outros, poucas pessoas haviam adentrado o local e Hawking, passeando pela própria loja, deparou-se com a pequena criança que engolia avidamente as palavras à sua frente. Ao perceber que foi descoberta, Yuka ergueu-se cambaleando e estava prestes a correr quando ele a segurou delicadamente pelo braço, sorriu e lhe disse que poderia ler o quanto quisesse, gratuitamente.
O tempo passou, e, após completar 14 anos, notando a dificuldade de manter a casa, as compras e os remédios de sua avó, Yuka tomou a decisão de procurar um emprego de meio expediente, não prejudicando os estudos dessa maneira. Ela encontrou-o graças àquele senhor já idoso, que lhe estendeu a mão tão bondosamente.
– Ah, muito obrigado, Yuka! – disse Anthony com seu velho sorriso tranquilo. Ele sentou-se com cuidado em seu habitual banco de madeira, onde esperava atender a seus clientes, embora nos últimos tempos a clientela estivesse diminuindo devido à adoção dos apetrechos tecnológicos mais modernos. – E como vão as coisas? Suas provas, como foram?
Eles haviam combinado de eximir a garota do trabalho em época de prova, para não prejudicar suas avaliações e, consequentemente, a bolsa que havia obtido da direção escolar.
– Maravilhosas – respondeu sorrindo. – Minhas expectativas são muito boas!
– Fico feliz!
Yuka retirou o avental florido que usava enquanto limpava os livros empoeirados. Ela sempre quis estar próxima daqueles objetos que, durante anos, foram seus únicos companheiros.
– Até amanhã, querida! – disse ele apertando sua mão com carinho. – Continue sendo sempre essa boa moça!
Anthony sempre lhe dizia as mesmas palavras antes de ela ia embora, mas Yuka não se importava com isso, pois, em sua opinião, quanto mais uma pessoa repetisse algo, mais isso se firmaria como realidade. Era uma das velhas noções do mantra que ela tanto carregava consigo.
O caminho de volta para casa foi harmonioso. Ela pôde vislumbrar as belas árvores dispostas pela rua, os carros que passavam em velocidade quase constante, o céu estrelado… Era tudo tão simples e completo que ela não tinha o que reclamar.
Ao chegar à casa, o pequeno filhote de akita levantou a cabeça em alerta e soltou um feliz latido ao vê-la. Mesmo com a pata esquerda imobilizada por uma tala, ele fez um esforço admirável para se aproximar da dona e lambeu os dedos que ela estendeu para acarinhar seu focinho.
Após organizar-se, Yuka foi preparar o jantar; serviu a avó, deu-lhe de comer e depois a fez tomar o remédio noturno. Fez um leve cafuné nos cabelos grisalhos e ficou observando-a por breves segundos. Ela estava envelhecendo cada vez mais e seus olhos sem vida a deixavam com maior aspecto de pré-morte. A face encovada tremia na vã tentativa de se comunicar, mas sua boca soltava apenas gemidos incompreensíveis. Suspirando, Yuka levantou-se e preparou a comida do cachorro para então poder descansar.
“Guardiões do Império – O Selo do Sétimo, é uma das minhas obras que mais gostei de escrever, não somente pela clara homenagem à minha família e ascendência, como também pela diversidade étnica dentro do livro, além da liberdade que tive em criar um país com uma organização estratificada, apesar do discurso igualitário. E, claro, muita magia, sempre!” -Giuliana Murakami
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Até a próxima 😉
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Quero muito ler! Adorei o post!
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