Uma das vantagens de estudar e morar no centro de Belém é poder acordar um pouco mais tarde. Jorge, ou melhor, Jorginho, era um dos alunos de 12 anos do colégio particular católico no centro da cidade. Ele morava a exatamente cinco quarteirões da escola. Recebeu nesse ano, autorização da mãe para ir sozinho para a aula todas as manhãs. A mãe estava sempre ocupada no telefone, mas nos momentos podia, explicava para o filho sobre os perigos da vida. Repetia as frases que lhe foram ensinadas pelos pais. Se a haviam trazido em segurança até esse ponto, deveriam ser ditas a Jorginho.
-Nunca aceite doces de estranhos, entendeu?- Ela dizia.
-Sim, mãe. – Respondia todas às vezes o garoto entediado, sem prestar muita atenção.
Um dia ela havia contado ao menino sobre pessoas que entregavam doces para crianças, querendo fazer-lhes mal. Ele gostava muito de doces, esses não lhe faziam mal, tinha certeza. A única pessoa que havia lhe feito mal fora o pai, quando partira.
O primeiro dia que ele foi sozinho ao colégio, ocorreu tudo bem. Assim como no segundo. Nos meses que seguiram o garoto já ia com tranquilidade de casa para o colégio e depois fazia o caminho inverso. Tudo ia muito bem naquele ano, mas foi lançado o filme que tornaria a vida de Jorginho um pesadelo.
-Vocês já viram o filme do palhaço? -Gritou um dos meninos da turma de Jorginho.
A cada vez que lhes contavam sobre as principais cenas do filme, os meninos olharam com olhos arregalados, e bocas abertas. Logo perceberam que “Jorginho” lembrava o nome do menino do filme. Aquele que corria atrás de um barquinho de papel e encontrava um palhaço.
Nos dias que seguiram a estreia do filme, aquela história havia sido contada várias vezes. Mesmo sabendo todos os detalhes, exceto os que eram inventados a cada nova versão, os meninos sempre se assustavam.
Jorginho nunca gostara de palhaços, desde um aniversário que a mãe contratara um palhaço para distrair as crianças. Passou a festa chorando, desde então ela não chamou nenhum nos próximos aniversários.
A semana da estreia do filme foi difícil. Demorou mais do que todas as outras semanas desde o início das aulas. Os colegas estavam empolgados com o filme faziam questão de chamar o nome de Jorginho a cada oportunidade. Imitavam cada vez melhor a voz do palhaço do filme.
-Jorrr-jio- Falavam a todo instante.
Quando a aula acabou, Jorginho pegou suas coisas, queria ir embora o mais rápido possível. Ainda ouviu falarem “Jorrr-jio” algumas vezes e saiu da sala pensando em casa. Andou sozinho pelo pátio do colégio, passou por um corredor comprido que levava a saída. O barulho era constante, devido às conversas aos berros que eram mantidas por crianças de todas as idades. Quando o menino colocou o pé para fora do colégio, tudo virou silêncio.
Havia um palhaço lá na calçada. Na verdade era uma mulher com roupa de palhaço, mas ele não percebeu imediatamente esse detalhe. Parecia que todo o ar tinha sido sugado e que ele não poderia se mexer no vácuo.
-Jorrr-jio. –Escutou com pavor essas palavras, e sentiu uma mão no ombro. Era um amigo que estava indo para casa, a mãe já estava no carro buzinando.
Tendo recuperando os movimentos após aquele susto, resolveu não olhar mais para a mulher. Andou apressado, e quando já estava quase na esquina, virou. Ela estava olhando na direção dele, pelo menos foi o que pareceu naquele segundo.
No dia seguinte, passaram o dia falando do filme, de palhaços, barquinhos de papel e fazendo o “Jorr-jio” em todas as suas variações. A campainha tocou, o estômago do menino apertou só de pensar em encontrar aquela mulher na porta do colégio outra vez. Andou apressado, a porta da saída estava se aproximando. Apertou os olhos para olhar o mínimo possível.
Olhou para o lugar que a mulher estava ontem. Ela não estava lá. Continuou andando rápido, quando bateu em alguma coisa macia. Era a diretora do colégio. Estava parada e havia se assustado com o menino distraído. Ele não conseguiu falar nada. O medo havia paralisado cada músculo da sua face, mas por dentro estava muito alerta. Desviou da diretora que ainda falava para ele prestar mais atenção, quando atrás dela, viu a materialização do seu medo.
A mulher vestida com roupa de palhaço. Sorria e acenava para ele. O menino pensou em correr, mas parecia ter sido preso no chão. Aquela cara pintada sorria sem parar, mas não dizia uma palavra. Estendeu a mão direita para ele. Havia algumas jujubas na mão dela. Ele por fim correu, chorou, e chegou a casa. Naquele dia a mãe notou que ele estava com os olhos vermelhos. Pensou em tudo, menos que poderia ter sido uma palhaça.
O sinal tocou, saiu. Quando chegou a porta do colégio a palhaça não estava lá. Olhou para todos os lados, não encontrou. Foi andando desconfiado. Sabia que algo estava errado. Quando chegou a casa, dormiu com a roupa do colégio. Acordou horas depois com um sonoro “Jorrr-jie”. A mãe estava na sala vendo aquele filme no computador. Ele começou a chorar. A mãe brigou com ele, e continuou vendo o filme.
O dia seguinte já era sexta feira logo ficaria livre do colégio, até a outra semana. A campainha tocou, ele já estava pronto para ir embora. Aos poucos aquele apelido foi perdendo a graça, mas ainda assim falavam, pois sabiam que irritava o menino. Passou pela porta do colégio e não viu a palhaça, mas mesmo assim não foi tranquilo para casa.
Passou o resto do dia alternando entre pensamentos que eram recortes da palhaça. Via aquela cara pintada de branco, a roupa colorida e aquele sorriso, as jujubas na mão. Jorginho olhava para todos os lados assustado. Já não tinha hora de ter medo. Sentia de dia e de noite. No sábado a mãe falou que era para ele se alegrar, foram convidados para um aniversário, iria encontrar os amigos e comer doces.
Ele não queria comer doces, nem queria aniversários, nem amigos. Queria apenas parar de ver aquela mulher com a cara pintada de branco. Quanto mais lutava contra esses pensamentos, mais o menino ficava fraco e triste.
Chegaram ao aniversário do amigo de Jorginho. A mãe mandou ele se divertir e foi sentar em uma mesa. O menino começou a andar no meio das pessoas, logo sentiu fome. Pegou alguns salgados na mão e enquanto comia se afastou da área da festa. Sentou em um banco, longe de todos. A música ainda podia ser ouvida bem alta, foi então que escutou outro som que era familiar “Jorrr-jio”.
Era a mulher com roupa de palhaço.
Quando todos já haviam comido, bebido e as crianças já estavam cansadas de tanto correr e gritar, começaram a ser levadas pelos pais. A mãe de Jorginho achou que o filho já deveria estar procurando por ela, para irem embora. Ele não chegava. Quase todos já haviam ido embora, e nada do menino.
Ela começou a procurar sem sair do lugar, e finalmente ele chegou com uma sacola na mão. Havia passado a festa conversando com aquela mulher vestida de palhaço, e agora não sentia mais medo. Ela havia sido muito carinhosa com ele e lhe dera uma sacola com doces.
A mãe dele estava irritada com o sumiço do menino, tirou a sacola da mão dele e disse que não iria comer nada! Foram para casa sem trocar uma palavra. Ele foi dormir tranquilo dessa vez. Quando abriu os olhos no domingo, foi até a cozinha. A mãe não estava lá, nem na sala, a encontrou dormindo no quarto. Ao dela na cama, a sacola de doces dada pela palhaça. Ele viu que a mãe tinha comido uma boa quantidade, mas ainda tinham doces bons. Comeu vários doces e chocolates. Agora queria ver o filme no computador da mãe. Aquele filme do palhaço.
Durante o filme, os olhos do menino se fecharam. Sua boca ainda estava doce como a da mãe, nenhum dos dois acordou na segunda feira, nem terça, nem nunca mais.
A mulher com roupa de palhaço ainda continua visitando as portas de colégio em Belém.
Ainda não recebeu uma sacola de doces? Clique aqui:
https://www.facebook.com/antoniopimentablog/
https://www.instagram.com/antoniopimenta86/
1 comentário Adicione o seu