O dia em que Telúrio se surpreendeu (Parte 1)

07:00

Senhor Telúrio saia de casa para mais um dia de trabalho. Fechou a porta, deu duas voltas na chave, pensou por um instante na falta que uma esposa fazia e colocou os pés na calçada. Nem reparou na lama bastante aquosa que se espalhava pela rua, já bem acostumado com as chuvas da cidade e seus alagamentos. Mas ontem não choveu.

Após esperar alguns minutos pelo ônibus, resolveu chamar um táxi, se tinha uma coisa que evitava era chegar atrasado ao trabalho. Mas o transito estava lento. Ao entrar no táxi falou o endereço ao motorista aos berros, devido ao volume alto do rádio “É UM ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA, ALGUMA COISA PRECISA SER FEITA URGENTEMENTE SENÃO…” e o rádio foi desligado a pedido do passageiro incomodado. O motorista não olhou no retrovisor durante todo o percurso, que apesar do trânsito, não era distante, possivelmente executado em uma caminhada.

Pagou a corrida e saiu apressado, subiu em prédio de escritórios, bateu o ponto e sentou em sua mesa. Foi quando finalmente reparou que era único no local. Não via seus vários colegas de trabalho, ou “demais funcionários” como se referia aos 17 funcionários de um escritório.

Ignorou o fato de ser o único ali, por um tempo, até que resolveu ir ao refeitório, e encontrou alguns colegas (funcionários) debatendo em voz alta, eram apenas um quarto do efetivo do escritório. Falavam “Um problema de gestão pública, se varressem melhor as ruas não teríamos esse problema!” ao repararem que Telúrio estava na sala, o volume diminuiu e já acostumado a ser tratado com a mesma desconfiança que tratava os outros ia se retirar, quando outro trabalhador lhe falou “Parece que todos estão presos no trânsito, a cidade inteira está congestionada hoje.” Telúrio acenou com a cabeça e saiu. Não se importava realmente.

09:00

O barulho na rua foi aumentando, o que levou os poucos funcionários a colar seus narizes nas janelas. A cidade estava com algum tipo de alagamento, pessoas começaram a sair de seus carros, e a reclamar de colocar os pés na lama.

Telúrio olhava com reprovação aos colegas. Estavam no Décimo andar, de um prédio de mais de vinte.

Foi quando a porta do elevador se abriu, o escritório ocupava um andar inteiro, e saiu o dono da empresa, com a calça e sapatos sujos de lama até as canelas. Chegou falando “Como isso é possível? Não se pode nem andar na rua hoje em dia sem meter o pé na sujeira dessa cidade!”.

“Parece que houve um alagamento“ falou um dos funcionários mais velhos.

O dono da empresa andou apressado por todas as mesas e se fechou em sua sala. E lá ficou no telefone.

12:00

Telúrio sempre almoçava na rua, apesar de ter almoço garantido pelo escritório, preferia comer com rostos estranhos lhe encarando, do que com os falantes colegas de trabalho.

Tentou usar o elevador, estava parado. Foi ao elevador de serviço, que nunca havia usado. Parado. Avaliou por um momento a possibilidade de descer e subir tantos andares. Assim voltou a sala, para ligar para a recepção do prédio. Sem linha.

As janelas do prédio eram todas fechadas, vivia em um ambiente em que a temperatura não mudava, em todos esses anos de trabalho, sempre a mesma temperatura, mesma luz. Foi quando o ar condicionado parou, e a luz apagou.

Alguns dos colegas falavam alto em um canto distante. Encostados na janela. Resolveu finalmente olhar pela janela.

(Fim da primeira parte)

Texto Antonio Pimenta