O Músico de Klatschstrasse

Numa tarde, na sileciosa Klastchstrasse, dedos caiam como barras de ferro em uma superfície branca. Tons em desarmonia ecoavam no apartamento. O professor de música apesar de tentar ir a outro lugar com seus olhos, estava preso pelos ouvidos. Parecia que Frau Greta pregava um caixão e não as teclas de um piano. Como pode alguém nessa idade resolver aprender a tocar? Os tempos eram difíceis, uma hora de marteladas, pagava o quarto em que dormia, e ainda colocava um pouco de comida quente dentro da barriga.

Quando a aula acabou, pegou uma pilha de dinheiro. Se fosse antes da guerra, compraria uma casa. Hoje, mal dava para pagar uma noite em uma cama. Após dizer para a aluna que nunca vira um prodígio tão grande em todos os seus anos como um músico, foi embora. A mentira fazia parte daquela aula.

Morava perto, no final da rua. Enquanto descia as escadas do apartamento, as marteladas voltaram a soar. A encorajaria menos da próxima vez, ou não teriam piano para tocar e provavelmente dormiria na rua.  No lugar em que fazia suas refeições, o letreiro luminoso estava apagado. Significava que as dançarinas ainda se arrumavam e os bolsos dos homens continuavam cheios. Sentou em uma mesa solitária, e pediu cerveja.

Naquele noite, quando a caneca secou e o letreiro foi aceso, um rosto familiar adentrou aquele salão. O marido de Frau Greta. Estava acompanhado de uma das dançarinas, aquela de cabelos curtos e bem escuros. Quando o show começou, ele estava sentado próximo ao palco. A bebida descia rápido pela garganta, assim como a fräulein que parecia descer mais a cada gole.

O professor tinha os olhos vidrados naqueles dois. Então, enquanto ouvia uma música rápida e barulhenta, teve uma ideia. Iria aumentar seus serviços a Frau Greta. No dia seguinte após a aula, disse que sabia aonde seu marido havia passado a noite. Pensou naqueles dedos pesados, apertando o pescoço do homem. Mentiu a Frau Greta que precisava de dinheiro para fazer com que a fräulein de cabelos curtos partisse para longe. Como não havia sobra de dinheiro em casa, a mulher desesperada, foi até seu quarto. Voltou com uma caixa na mão. As jóias que eram da mãe, pelo retorno do marido. O professor partiu com a promessa de que a jovem dançarina estaria longe amanhã.

Quando o letreiro foi aceso, o marido já estava com o copo na mão e a jovem descia e subia. Olhava para aquele homem velho, como se ele fosse mais bonito que ela. Quando a luz apagou e o piano foi silenciado, o músico que estava como um espectro naquela penumbra, começou a falar com o marido. Após alguns minutos, aquele homem que temia a esposa, mais do que ao próprio Deus, havia combinado um valor alto.

Agora o músico não ganharia dinheiro com o ruído, mas com o silêncio, total e absoluto. Nos dias que seguiram, as aulas eram silenciosas, com a aluna ouvindo atenta ao relato do que progresso que o professor fazia. As orelhas da aluna perderam o último par de brincos. A cada peça que entregava, imaginava a jovem mais distante. Talvez sem perceber que devido a circunferência da Terra, e o valor dado, talvez a jovem já tivesse o suficiente para ir e voltar ao mesmo lugar.

O marido antes bebendo a grandes goles, estava sem copo na mão. O dinheiro acabara, e apesar de ter usado sua última pilha de notas para ver a jovem de cabelos curtos, seus olhos não se encontraram naquela noite. O professor observava com os bolsos cheios, tomando uma cerveja tão quente quanto a comida. O homem que havia ficado desesperado depois do show, caminhou decidido até o professor. Iria vender sua companhia, mas queria que ele falasse com fräulein.

A jovem de cabelos curtos o recebeu em uma sala cheia de fotos coladas na parede. Os dedos finos do músico entraram no bolso, mas não encontraram a caixa de jóias. Pela primeira vez ele não parecia saber o que fazer, e em desespero, saiu. Subiu apressado as escadas do apartamento de Frau Greta. Devia ter deixado a caixa lá, então voltava para pegar de volta. Quando a porta abriu e ele entrou apressado, a mulher parecia estar mais desesperada que ele. Enquanto procurava a caixa, começou a falar da jovem. Descreveu seu camarim, as fotos, aqueles cabelos curtos e escuros. Quando sentiu um forte aperto.

Dedos fortes estavam ao redor do seu pescoço. Frau Greta que via naquele momento a dançarina materializada diante de si, apertava com toda sua força. Os olhos abertos e vermelhos do músico não conseguiram o levar para longe dali. Quando a porta do apartamento tornou a abrir, o marido viu aquele homem magro deitado no chão. Os votos que haviam feito no casamento não continham esconder um corpo juntos, mas em meio a tantas mentiras em que viviam, já não tinham mais o que era verdade.

Os vizinhos ouviram as marteladas, depois de uma semana muito silenciosa. Não era os dedos grossos nas teclas. Eram golpes fortes, assim o piano era selado com pregos. Não podiam tirar o piano do apartamento devido ao seu tamanho. Naquela noite, o caixão escuro, foi velado pelos dois. O silêncio parecia absoluto. Então ouviram uma nota sair do piano, e outra depois dessa. O professor não havia morrido.

Enquanto o corpo se retorcia no interior do piano. Em meio a treva que se encontrava, a mulher que estava desesperada e já quase sem forças, começou a gritar. Batidas na porta, mas o marido não conseguia se levantar da cadeira. A porta foi forçada e cedeu. Aos olhos de alguns vizinhos, a mulher jazia morta no chão. O músico subitamente silenciara dentro do piano e o marido foi levado preso, pelo assassinato da esposa. Os vizinhos tinham os gritos desesperados da mulher como testemunhas do crime.

O apartamento ficou vazio, e um prego segurava a porta. Durante os próximos dias, ouviram algumas notas soando abafadas, depois Klastchstrasse voltou a ser silenciosa outra vez. A caixa que o músico tanto procurava, havia ficado em seu casaco, posto na cadeira enquanto ele bebia. A jovem dançarina vendo aquela peça de roupa solitária, se aqueceu para ir para casa, era uma manhã fria. O último desejo de Frau Greta foi de alguma forma atendido. Em um local quente e ensolarado, agora a signorina, como era chamada, fez muito barulho.

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1 comentário Adicione o seu

  1. Fabrício disse:

    As palavras em alemão com um tom elitista. Toque noir decadente com fim dramático e ao mesmo tempo divertido.
    Sensacional. Adorei!!

    Curtido por 1 pessoa

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