Dona Maria Pereira (I)

Chegava aquela hora no finzinho de tarde. A rua estava cheia de crianças correndo e brincando. Moravam em uma parte histórica da cidade. Isso bem queria dizer que as casas estavam caindo aos pedaços.

No grupo de crianças, o mais baixo era Tobias. Menino franzino com cabelo sempre arrepiado. Morava em uma rua estreita, com pouco fluxo de carros. Dobrava a esquina para brincar com as outras crianças. Quando escurecia, parecia que as mães tinham esquecido de chamá-los para tomar banho e jantar. Era no momento que pensavam isso que elas chamavam. Um a um iam se despedindo, ao gritos. Tobias não tinha sido chamado, morava dobrando a esquina. Imaginava que em algum lugar sua mãe estava o mandando ir para casa. E assim voltava.

Morava com o pai, que nunca estava em casa. Em frente a casa deles, um casa velha e mal cuidada. A única moradora não estava em um estado melhor. Dona Maria, era idosa e sozinha. Tobias notava que todos os garotos eram corajosos, mas quando se tratava de andar na calçada dela, a coisa era diferente. Andavam pelo meio da rua, ou passavam espremidos na frente da casa de Tobias. Para uma pessoa que visse a cena, pensariam que um elefante invisível estivesse no meio da rua. Entre a nova geração, a fama que a tal senhora era a Matinta, fora espalhada pelos próprios pais. Diziam que quando eram crianças, ela já era velha.

As histórias sobre a velha eram rapidamente esquecidas, enquanto brincavam na outra rua estavam seguras. Como ela raramente saia de casa, não havia com o que se preocupar. De vez em quando viam um morcego, ou cachorro negro, ou todo animal que lhes fossem estranhos. Era quando lembravam dela. Diziam que era a velha transformada. Um dia, um homem passou com um porco bem gordo em uma bicicleta. O animal emitia um ruído horrível. Todos se entreolharam com medo: A velha, pensaram.

Quando Tobias voltava para casa naquele dia, apalpou os bolsos da bermuda. Percebeu que esquecera de trazer a chave. A porta estava trancada, assim como as janelas. Estava preso para o lado de fora. Pensou em ir para a outra rua, procurando uma casa em que pudesse entrar, até o pai voltar. Ouviu um assobio. Alto e melodioso. Procurou a fonte do som. Não achou. Ouviu outra vez o assobio. Olhou em volta e viu a porta da casa da Dona Maria. Aberta.

Curiosidade. Medo. Curiosidade. Iam alternando, até que ele estava dentro da casa da velha. A casa dela era idêntica à dele no tamanho, mas o interior da casa da mulher era muito mais bonito. Ela estava sentada em uma cadeira, e pediu para que ele se aproximasse. Disse que ele fechasse a porta antes. Fechou. Agora estava na casa da Matinta, com a porta fechada. Sua barriga borbulhava de emoção da história que iria contar para os meninos da outra rua.

Horas passaram, a velha mandou que ele lavasse as mãos e o rosto. O menino voltou com a cara limpa. A casa era muito bem arrumada, diferente do exterior.  Ela pediu para ele sentar na mesa. Naquele dia comeu uma comida muito boa, melhor do que a comida do pai. Ela ligou a caixa da televisão e pediu para ele ficar sentado em um sofá. O medo do menino já havia passado totalmente, assim como a sua fome. A senhora sentou na mesa tomando café. Não conversaram. Ele estava concentrado na televisão. Ouviu uma garrafa de vidro caindo na rua: O pai voltava para casa. O menino levantou com um salto e como se aguardasse permissão de Dona Maria para sair, ficou em pé ansioso olhando para a ela e para a porta. Ela fez um gesto com a mão. Tinha sua permissão. Ajudou o pai a entrar em casa. Achou a chave no bolso dele, e entraram. Naquela noite antes de dormir, pensou na casa da senhora. Não iria contar nada para os meninos.

No dia seguinte Tobias saiu mais cedo das brincadeiras. A porta já estava aberta. Lavou. Jantou. Assistiu. Nos dias que se seguiram aquela rotina. Até que um dia não foi brincar. Começou a ir mais cedo para a casa da senhora. Ela emprestava para o menino alguns livros. Ele passava a tarde lendo, as vezes ajudava no quintal dela. Recolhia folhas, e começou a ouvir histórias de outros tempos. Aos poucos ele percebia que ela era bem carinhosa com ele, queria o seu bem. Aquela não poderia ser a Matinta.

Um dia o pai voltou cedo para casa. Faltou dinheiro, não estava bêbado. O menino não ouviu a garrafa quebrando, que sempre acontecia quando ele procurava as chaves. O pai não encontrou o menino em casa. Tobias, que após assistir todos os programas que costumava assistir, sentiu que deveria ir para casa. Dona Maria lhe entregou um pedaço de bolo em um papel, e ele partiu. Iria entregar o bolo para o pai.

Quando entrou, o pai levantou a mão e bateu nele com força. O menino deixou o bolo cair no chão. Naquela noite Tobias dormiu com os olhos molhados. Quando acordou pela manhã a sua cama estava igualmente molhada. O pai pegou o colchão e o colocou do lado de fora. E disse que não queria que ele tirasse de lá, senão iria apanhar. Aquele dia foi o mais longo de que podia se lembrar. Não demorou para os meninos vissem o colchão molhado na frente da casa.

Uma das raras coisas que afastava o medo deles, era a possibilidade de fazer de chacota alguém. Quando Tobias viu um menino com risada alta correr em direção a outra rua, sabia que em pouco tempo estaria perdido. Assim vieram aqueles meninos barulhentos. Corriam como se fossem receber um prêmio, e quando viram o colchão, começaram a rir bem alto. A única criança que não ria daquilo era Tobias. Desejou ir na casa da senhora, mas os meninos gritavam e o menino não ousava olhar para fora nem por uma fresta. Colocou a mão em seus olhos. Cobrindo a marca roxa, tornou a chorar.

Começou a mergulhar tão fundo naquelas lágrimas, que não percebeu o repentino silêncio. Todas as crianças haviam se calado. Depois ouviu uma batida na porta. Olhou por um buraco e viu Dona Maria. Ela estava sozinha e a rua silenciosa. Ela o levou para a casa dela. No canto da rua, alguns meninos observavam atentos. Não tinham coragem de dizer uma única palavra. Quando a porta dela fechou, se entreolharam e correram para longe. Passaram o resto da tarde falando o que poderia ter acontecido com Tobias.

O pai voltou para casa bêbado, cada vez precisa de menos bebida, seu corpo já estava ficando fraco. Isso era bom, pois nunca tinha dinheiro para comprar álcool em grande quantidade. Voltou para casa e viu o colchão no chão, estava todo pisoteado com a raiva que os meninos da outra rua tinham colocado em seus pés sujos. O pai entrou em casa e procurou Tobias. Resolveu esperar ele voltar. Ele iria se arrepender.

Continua…

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6 comentários Adicione o seu

  1. Excelente! Ansioso pela continuação 😀

    Curtido por 2 pessoas

    1. Atendendo a pedidos, o final será ao estilo Terra 2.

      Curtido por 1 pessoa

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